Júlia Lopes de Almeida e o passado machista da Academia Brasileira de Letras

rafaela giovanini
3 min readApr 26, 2021

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Em 20 de julho de 1897, no Museu Pedagogium, no Rio de Janeiro, acontecia a sessão inaugural da Academia Brasileira de Letras (ABL), presidida por Machado de Assis (1839–1908). Assim, preencheu-se as 40 cadeiras da Academia, com 40 acadêmicos homens. E dessa forma continuou — por 8 décadas.

Rachel de Queiroz (1910-2003), escritora do romance “O Quize”, foi eleita em 1977, como sucessora de Candido Motta Filho (1897–1977), ocupando a posição 5 da 5ª cadeira; além do posto de primeira mulher a fazer parte da ABL. Um lugar merecidíssimo e que marcava mais uma conquista feminina, visto que algumas (poucas, se comparado ao número de cadeiras) mulheres vieram a serem eleitas após Rachel, como Zélia Gattai (1916–2008), cônjuge de Jorge Amado.

Porém, antes da eleição de Rachel, a ABL deixara claro o detrimento às escritoras: em 1930, falecia Alfredo Pujol, vagando a cadeira 23. Dessa forma, Amélia Beviláqua (1860–1946), escritora e pioneira na luta pelos direitos das mulheres no Brasil, escreveu uma carta ao então presidente, Aloísio de Castro (1881–1959), expondo sua proposta de candidatura. Sua resposta, no entanto, foi curta e grossa; o médico indicou que o regulamento da casa previa que brasileiros podiam participar da ABL, isto é, brasileirOs, o que não incluía mulheres. O marido de Amélia, Clóvis Beviláqua (1859–1944), tentou argumentar, com base em uma noção do direito romano: “Hominis appellatione tam foeminam quam masculum contineri non dubitatur” (em tradução livre, “o substantivo homem compreende tanto homens quanto mulheres”), mas não obteve sucesso; Amélia teve sua candidatura barrada exclusivamente por ser mulher.

Com esse contexto, volta-se ao nome exposto no título desse artigo. Quem foi Júlia Lopes de Almeida (1862–1934), e qual sua relação com a Academia?

Júlia Lopes de Almeida. Foto: Divulgação.

Cronista, escritora, teatróloga, jornalista de viés abolicionista e… Uma das idealizadoras da Academia Brasileira De Letras. Com trabalhos magníficos como “A Falência” e “Livro das Noivas”, Júlia caiu no esquecimento das gerações atuais, tornando-se anônima perante os imortais-uma grande injustiça, visto que a posição de fundadora da 3ª cadeira pertencia, por direito, à escritora.

Voltando um pouco na linha do tempo: a Academia foi fundada, de fato, em 1897, porém seu planejamento vinha muito antes disso. Logo após a proclamação da república (1889), um grupo de escritores e intelectuais, o qual Lopes integrava, inspirava-se na Académie Française de Lettres, e idealizava uma versão brasileira. Então, quando o sonho finalmente aconteceu, Lúcio de Mendonça (1854–1909), escritor e um dos idealizadores, julgou certo que a cronista se juntasse aos imortais, em declaração feita ao jornal do Estado de S. Paulo.

Entretanto, houve grande oposição por parte dos outros intelectuais, que alegaram que a Academia Francesa tinha uma política exclusivamente masculina. Dessa forma, a cadeira destinada a Júlia foi repassada a seu marido, o também escritor Filinto de Almeida (1857–1945), que possuía trabalhos considerados menos relevantes, se comparados aos de sua esposa.

Assim, Júlia, tal qual Amélia e outras várias escritoras que permaneceram em anonimato, tiveram seus direitos negados pela Academia Brasileira de Letras, por conta de gênero. Hoje, essas negações não acontecem mais de forma escancarada, mas ainda há de se questionar a quantidade de mulheres presentes entre os imortais; apenas 5 dos 40 membros atuais-ou 39, ao considerar o recente falecimento do crítico literário Alfredo Bosi. Com essas eleições por vir, é possível que o número de integrantes femininas aumente?

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rafaela giovanini

Apaixonada pela Língua Portuguesa, estudante de Letras na UTFPR, aspirante a jornalista e provavelmente ouvindo Arrigo Barnabé por ai.